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MEGABYTES DE PAIXÃO - Leitura,
vocabulário, interpretação textual
MEGABYTES DE PAIXÃO
Max Gehringer
Se o disco rígido parar e o sistema der
pau, ainda resta uma esperança.
O Vandemilson – mais conhecido na empresa como
vand@ekonometrikon.com.br – estava digitando mais um dos incontáveis e-mails
que despachava todos os dias quando, justo na hora de ele teclar o
emoticon de fechamento (:-\, "tou meio em dúvida") - pif!
- , o sistema cai. E aí o Vandemilson se põe a pressionar todas as combinações
imagináveis de Ctrl e Alt, até se convencer de que, realmente, aquele era um
problema de proporções cósmicas. E fez então a única coisa que lhe restava
fazer: ficou ali encarando a tela escura, com aquela mesma cara que um pingüim
faria se, de repente, acordasse no meio do Deserto do Saara.
Dez minutos de vigília depois, como nada de
prático acontecesse, o Vandemilson resolveu fazer algo inédito em sua rotina
diária: levantar-se da cadeira. E, uma vez em pé, pôde constatar que o local
onde trabalhava era enorme, repleto de baias iguais à sua, centenas delas,
distribuídas ao longo de cinco corredores que atravessavam todo o pavimento.
Havia até quadros na parede, bebedouros, vasos... e, então, veio a grande
surpresa: num estalo, o Vandemilson notou algo ali que ele nunca percebera
antes: pessoas! Um bando de gente, em pé ou circulando lentamente, e todo mundo
com uma expressão de espanto idêntica à dele. Foi então que ele ouviu um som,
vindo da baia vizinha:
- Oi.
Levou alguns segundos até o Vandemilson
racionalizar e decodificar exatamente o que era aquilo: uma voz! E,
aparentemente, humana. Emitida por uma loirinha que, o Vandemilson logo
concluiu, estava se dirigindo a ele.
- Tudo bem? Eu sou a Natália.
- Natália... O Vandemilson se pôs a
conjeturar como aquele nome ficaria numa fonte Matisse ITC, corpo 14, em
itálico. E foi então que a Natália proferiu a frase mágica, que tocou
profundamente o coração do Vandemilson:
- A nat@ekonometrikon.com.br!
A Nat! O Vandemilson já havia mandado
milhões de e-mails para ela, e recebido outros tantos, só que nunca imaginara
que ela pudesse ter, assim, vamos dizer, cabelo, boca, braços... Mas ela tinha.
E, aliás, era até bem configurada, com um design bastante atraente. E o
Vandemilson imediatamente a visualizou numa tela, com uma placa de vídeo
GeForce 4, sem distorções de imagem...
- Você é o Vand, né? Adoro os seus
forwards!
Naquele exato momento, o Vandemilson se deu
conta de que a queda do sistema poderia não ter sido tão catastrófica assim. E,
já meio deslumbrado, perguntou a Nat:
- Isso aí no seu micro é um gravador de
DVD?
- É, então. RW, até 4.7 giga. Eu mesma
instalei.
Aquela era, definitivamente, a mulher com
que o Vandemilson sempre sonhara. Para ser perfeita, só faltava ela ser
digital. Mas a versão analógica até que não era de se jogar fora, e o
Vandemilson resolveu pular o setup e partir para o quick start. E arriscou uma
questão íntima:
- Quantos giga tem o seu HD?
- 60. Mas vou aumentar para 120.
- E esse ícone ali no cantinho...
- KaZaA, né? Nível "Supreme
Being".
Um ser supremo! Foi uma paixão instantânea
e avassaladora. O Vandemilson passou a imaginar como seria maravilhoso passar
horas e horas, assim, plugado, com alguém como a Nat. Poderiam compartilhar
softwares. Intercambiar arquivos. E um dia, quem sabe, só ele e ela, distantes
do mundo, os dois online numa sala de chat. Não dava para perder uma oportunidade
daquelas, e o Vandemilson sacou que, dali em diante, tudo seria uma mera
questão de resolução:
- Qual é a resolução de sua tela?
- 1 024 por 768. Mas eu só curto AVI. E
detesto compressão!
O Vandemilson também! E aí ele não
conseguiu mais resistir:
- Escuta, Nat, não quero parecer
precipitado, mas... posso pegar no seu mouse?
Um mouse a laser sem fio, suave, que reagia
ao mais leve toque dos dedos. E as caixas de som da Nat? Perfeitas e bem
torneadas. O Vandemilson tremia só de pensar no hardware dela, com uma nova
surpresa em cada slot. Mas... será que ela toparia uma interface?
- Uma hora qualquer, se você quiser, eu
poderia te mostrar meus links...
- Ah, eu ia adorar!
E aí o Vandemilson sentiu aquela modulação
típica de uma paixão ao primeiro clique. Seus olhos brilharam com intensidade
(32 bits) e ele deu um longo suspiro -- em wav.
E começou então a pensar (um processo
fisiológico de inputs e out puts que não requer o uso de equipamentos
periféricos). Ele estava ali na empresa havia quanto tempo? Quase dois anos? E
não conhecia ninguém. Nem o nome do seu gerente ele sabia (embora soubesse o
que realmente interessava, a senha de acesso dele). Mas o que eram as pessoas
que gravitavam a seu redor? Apenas letras e arrobas em seu catálogo de
endereços eletrônicos.
Quanto ao resto do mundo, tudo ia e vinha
via internet ou estava armazenado em arquivos de imagens digitalizadas. Seu
universo inteirinho cabia numa tela de 17 polegadas. E o Vandemilson concluiu
que só havia uma palavra capaz de definir tudo aquilo: "debugged".
Ou, traduzindo, "felicidade".
Nessa equação de vida, a única variável
nova era a Nat. Por ela, quem sabe, até valeria a pena dar um reboot e arriscar
um relacionamento mais chegado. E foi nesse exato instante que o sistema entrou
de novo no ar. Mas, antes que a Nat desaparecesse na baia, o Vandemilson se
encheu de coragem e fez a proposta:
- Então, fica assim?
- Fica. A gente se tecla.
E até hoje os dois continuam conectados
numa boa, a uma média de quatro send por hora. Quando querem se ver ao vivo, é
simples: os dois ligam as webcams de seus micros. O fato de continuarem a
poucos centímetros de distância um do outro não conta. Afinal, este é o século
21. O século digital, onde abraços se tornaram abs, beijos se transformaram em
bjs e bom humor virou.
Mas o mais importante de tudo é que, se um
dia a paixão for para a lixeira, tudo irá ser resolvido sem traumas nem lances
emocionais. E em apenas 1 segundo: shut down? Ok.
. Nesse texto, a narrativa se desenvolve a partir da queda do sistema de computadores num escritório.
a) Qual é o tema o texto?
b) Como as personagens se identificavam e se relacionavam até esse momento?
2. Ao levantar-se da cadeira, Vandemilson faz várias descobertas.
a) O que ele descobre sobre o seu local de trabalho?
b) O que a personagem sente ao encontrar pessoas trabalhando tão próximas?
3. O autor, ao conquistar o texto, utiliza um conjunto de palavras e expressões comuns a um determinado grupo.
a) A que grupo de leitores esse texto é mais especialmente dirigido?
b) Analisando o veículo de publicação do texto, por que o autor escolheu esse tipo de linguagem para escrever a crônica?
c) O que a linguagem empregada no texto, com tantas palavras e termos ligados à informática, pretende expressar?
d) Observe as expressões de informática utilizadas no texto. Podem-se encontrar algumas no sentido figurado? Quais são elas e em que sentido estão empregadas?
4. Releia do 14º ao 18º parágrafo. Ao se dar conta de que Natália era, definitivamente, a mulher com quem sempre sonhara, Vandemilson arriscou uma questão íntima.
a) Na conversa estabelecida entre eles, percebe-se um jogo de sentidos: o sentido real e o figurado. Qual é o sentido real, denotativo dessa conversa?
b) E qual é o sentido figurado?
c) Após ouvir as respostas de Natália, como Vandemilson se sente?
d) Que termos são empregados para descrever o modo como Vandemilson vê Nat e o que ele sente?
e) Observe a construção das falas do diálogo. São frases curtas ou longas? O que elas determinam sobre a maneira de as pessoas se relacionarem?
5. Esse texto retrata a visão do cronista sobre um tema do cotidiano. Qual o ponto de vista do cronista sobre as relações interpessoais?
6. No último parágrafo, o cronista expõe o que pensa sobre o assunto desenvolvido na crônica.
a) Levando em conta o veículo de publicação do texto e o público-alvo, qual pode ter sido o objetivo dessa crônica?
b) Que sentidos podem ser atribuídos a esse parágrafo?
Bom trabalho a todos.
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